9.11.10

Tela...

Me desenhei como um desenho sozinho em tela branca. Uma vinte por vinte em tinta acrílica e com pouco expressionismo. Um simbolismo qualquer ou uma palavra-objeto como no concretismo.

Enfim, um desenho bem definido e deslocado do restante da tela, uma palavra concreta reticente ao restante do poema.
Desenhei-me como um ser que vai sozinho, tão forte e tão autêntico como o ser que se vira e pede um aplauso, descobri a falta de coerência e a busca por uma salva de palmas quente, tão quente quanto um abraço.
Percebi que escorregava em cores ao caminhar na tela, o vinte por vinte era pequeno e eu não era contemporânea o suficiente.
Percebi o excesso do amarelo, a falta do vermelho questionando nossos laços. Me vi entre o azul e o verde, um pouco conivente com o instantâneo.
Apaguei parte do corpo e desejei ser só retrato. Um sorriso de meia boca, pouco do decote me cabia no quadrado. Já me via na parede sobre a cabeceira ou diante da mesa de jantar.
Me percebi estática e pálida, me percebi esquálida e apática. Me vi como um rosto qualificado para a sala de estar.
Desejei ser ao menos poesia e me vi em duas cores, devorada por uma bêbada em teu sofá, me vi como notas em tua guitarra espanhola onde jamais poderia mostrar-te a graça da fenda em meu vestido, eu era só retrato quadrado e fechado até onde vai o decote.
Me notei entre teu soluço e teu tropeço embriagado, desejei estar ao teu lado,tentei adivinhar pouco de teus pensamentos, desejei ser tom, nota, melodia.
Já não cabia, já não podia, era ser estático, acabado e determinado em tua parede. Desejei a cegueira, o não ver era liberdade. Ver-te pintar outra tela me era castigo.
Desejei o abandono, item de leilão, obra mal acabada ou tela não desejada sob um pano branco.

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"Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema".

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