Devaneio e reprise, Brasil e meu casco, buraco e elevador! Dor! Sempre a dor de todos os dons.
3.5.05
Vamos fugir, viva a RRFAVS!
Primeiro de maio, feriado, aniversário da minha mãe, um belo domingo de sol... “Que tal um rodízio naquela churrascaria?” – Perfeito!
Seria um belo domingo ensolarado, seria, se não vivêssemos em um mundo caótico, onde a felicidade é quase utópica; para muitos, ela realmente é. Como eu dizia, seria um belo domingo de maio, ensolarado, até encontrar a fechadura do meu apartamento arrombada, e tudo dentro dele completamente revirado. “Mas você não mora em prédio?” . Moro.
“Entraram só no seu apartamento?”. Só. “Nossa! Você mora em um bairro tão bom...”
Os próximos passos todos nós simples mortais já conhecemos: viaturas, delegacia, boletim de ocorrência, arrogância, demora, perícia... mais demora, e, finalmente: nada. E o domingo ensolarado virou uma noite fria, sem que eu pudesse ao menos sentar e apreciar o sol, do meu tão esperado domingo.
Mal pude dormir, temos que trabalhar, não é mesmo?? Assim ganhamos nosso precioso dinheirinho, compramos nossas coisinhas, guardamos tudo bem guardado, trancamos a porta, com duas voltas (não se esqueçam nunca disso), pegamos o elevador, somos filmados pela câmera do nosso próprio prédio, ouvimos o estalar do pesado portão de ferro, e pronto... estamos livres da nossa própria prisão, apenas nós. Porque mesmo assim, depois das câmeras, do portão automático, das duas voltas, entraram na minha casinha.
Fazendo meu caminho diário, não é exercício não, é andar a pé mesmo, no sol, na chuva, com bolhas, sem bolhas, reparei que uma casa, que me parece completamente desabitada, tinha espirais de arame farpado por todos os lados, placas alertando sobre a cerca elétrica que se encontrava acima dos espirais de arame, e uma outra que alertava sobre o famoso e misterioso “cão bravo”. Aquele misterioso cão, sabe? Que mora em todas as casas muradas, – aquelas em que você não pode enxergar o cão. Pobre cão, deve ser feio demais para ser apreciado, além de ser mudo, o coitado!
Meu primeiro pensamento foi: “Estamos em guerra!”, o segundo foi: “Morador prevenido este...”, a terceira foi: “Deveria ter feito igual no meu apartamento?” e, por último: “Que idiota!” (eu e o cara da casa).
Será que o mundo é tão ruim assim? Será que vale a pena a prisão particular, os carros blindados, arames e cães extremamente bravos??
Às vezes parece meio ridículo tudo isso, o ser humano se rendendo aos meios alternativos e de emergência para criar uma sociedade saudável. O problema está muito longe disso tudo, mas sem demagogias e teorias prefiro pensar de uma outra forma. Medo e paranóia, para mim, só atraem coisa ruim.
Quantas vezes dormi com a porta destrancada? Sem falar das vezes em que ia para o supermercado e, por preguiça de chegar cheia de sacolas, e ter que procurar a chave que sempre some dentro da bolsa, deixava a porta aberta?
Mas no dia em que tranquei a porta, com duas voltas, entraram no meu apartamento. Vou mudar tudo, vou começar de novo, não vou trocar a fechadura, e vou trocar o capacho da minha porta por um daqueles que tem escrito um enorme “bem-vindo”.
Vamos fazer a revolução da preguiça, do descaso, vamos deixar as portas abertas, vamos parar de comprar coisas tecnologicamente avançadas que não servem para nada, vamos mudar para a praia, ver o sol nascer, caminhar descalço, fazer valer a pena.
Não usaremos mais relógios, esqueçam as horas, ou aprendam o relógio solar. Celular não existirá mais (vivíamos muito bem sem eles), não nos renderemos ao mercado da segurança, que se entope de dinheiro às custas da violência.
Vamos dormir na areia, e acordar de novo. Vamos abrir mão dos nossos preciosos bens, vamos fugir!! Fugir para dentro de nós mesmos, para o lugar em que só precisamos de amor, de sol, de água e comida. Vamos derrubar os prédios, quebrar as câmeras de segurança, vamos roubar o medo das pessoas. Taí, formei a Revolução dos Revoltados com as Formas Atuais de se Viver em Sociedade. É a RRFAVS, se unam a mim, vamos mudar o mundo!! Vamos fugir!
Mas se vocês preferirem continuar nesta guerra civil, estudar, trabalhar, comprar seus eletrodomésticos, seus aparelhos tecnologicamente avançados que não servem para nada, montar suas casas, terem seus filhos, ensiná-los a navegar pela internet, comprar homens-segurança para eles e viver com medo da violência, por mim tudo bem.
Quem sabe não é o que eu farei também? Não quero fugir sozinha, seria paranóia, não revolução.
Como eu dizia, se vocês ficarem, façam um seguro de seus bens, e lembrem-se: dêem duas voltas. Foi o cara da perícia quem disse, se eu fosse vocês, eu também dava.
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"Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema".