Dispensa, por favor!!
Desci as escadas do prédio 10, com a cabeça pesada e dolorida, aliás, desde ontem á noite ela me dói. Não sei se são resíduos do jogo de futebol da noite passada que ainda martelam a minha cabeça.
Com agulhadas precisas e lancinantes sentei em um banco e ascendi um cigarro, o sol que apareceu somente hoje dava bem de frente aos meus olhos, isso aumentava ainda mais a minha imensa dor.
Parece exagero, mas a dor era imensa, daquelas que te fazem pensar em todos os teus pecados cometidos em todos estes anos.
Resolvi ir até a enfermaria, eles sempre tem por lá o meu sagrado remedinho, a verdade é que todos nós hipocondríacos temos sempre um remedinho que consideramos abençoado, entre tantos outros que sempre sabemos a bula de cor. Aliás, esse é um defeito de nós pequenos hipocondríacos, acreditamos mais em nossa formação experimental do que em formações acadêmicas. Afinal o médico não está sentindo o mesmo que nós.
Ao entrar na enfermaria, a moça de branco e simpática já parecia me reconhecer de outras tantas vezes, quase não precisei pedir o meu querido remédio, que me trouxe uma satisfação enorme só de tocá-lo. Enquanto informava o meu código de matrícula para a minha cúmplice, reparei que se aproximou um garoto com uns doze ou treze anos aproximadamente.
Na mão direita ele trazia um agasalho e na mão esquerda uma dispensa assinada pela mãe. Lembrei dos meus anos de escola, em que, quando não estava com a menor vontade de aprender logaritmos ou análise sintática eu calmamente falsificava uma dispensa “assinada” pela minha mãe, que nunca soube de nada: “Cara Ideli, informo que minha filha Maria Angélica não se sentiu muito bem durante a noite e poderá ser dispensada da última aula, Grata (aí entrava o meu rabisco)”.
O garoto me parecia muito bem, saudável e com as bochechas rosadas de tanto jogar bola, disso eu tenho quase certeza, por que também me lembro muito bem dos meninos da minha classe de alguns anos atrás, que jogavam bola o recreio inteiro, e depois vinham todos suados e rosados abraçar as meninas que corriam de nojo do suor deles.
Como disse, sei reconhecer as bochechas rosadas de um garoto que passou os últimos momentos correndo atrás de uma bola.
O importante é que a moça conferiu a dispensa e bateu-lhe logo um enorme carimbo. O garoto estava dispensado. A felicidade que o garoto sentiu foi particularmente sentida por mim, que desta vez me senti cúmplice de algo que nós dois, eu e o garoto sabíamos fazer muito bem. Ele se virou e foi embora, minha vontade era conferir a dispensa, conversar com o garoto rosado, trocar novas técnicas, sei lá. Mas o garoto sumiu. E eu fiquei sem saber se a dispensa dele era realmente falsificada como as minhas. Senti um grande vazio, uma saudade enorme dos tempos em que os problemas podiam ser resolvidos com uma simples molecagem, uma brincadeira.
Queria inventar novas dispensas, para a falta de dinheiro, para as aulas chatas da faculdade, para o trabalho, e especialmente para quando o nosso time perde.
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