7.12.10

A permanência das coisas

Algumas gotas se fixaram na janela do banco traseiro. Elas moravam ali e distorciam as luzes lá de fora. Ficavam ali paradas provocando-me sobre a permanência das coisas. Ficariam ali até a morte, até secarem lentamente, evaporarem ou serem absorvidas por algo.
Eu não. Eu não permaneceria.
O táxi parou no próximo sinal vermelho. Olhei a esquina, o chão da esquina. Queria decorar cada centímetro paulistano, queria decorar mesmo o chão molhado, sujo, o bueiro aberto, o papel caído.
Queria decorar as folhas da pequena árvore em seu vaso branco. Queria decorar o asfalto, os buracos do asfalto, o sangue do asfalto.
Tentei decorar o trajeto todo, cada rua, cada esquina, cada bueiro e porta de bar. Tentei ignorar as luzes de natal, tentei ignorar o que não me pertencia.
A permanência das coisas. Nada permanece, algumas coisas apenas insistem, mas nada é capaz de permanecer. Mesmo as gotas partiriam, a diferença é que permaneceriam até sua morte, mas daí partiriam.
Eu partirei. Mais cedo que a minha morte, partirei até onde o desejo de mudança permitir. Não permaneço, não permanecerei.
Não permaneço porque meu humor é volúvel, minha forma é mutante e meu amor é instável. Nada em mim permanece, nada permanece em mim. Eu não posso, não devo, não sei permanecer.

2 comentários:

  1. Angélica,

    Muito bonita a forma como você abordou o tema. Eu mesmo já tive a sensação de brincar de olhar o mundo através de uma gota d'agua no pára-brisas, mas nunca tinha refletido sobre a permanência das coisas da maneira como você colocou. E muito bem!

    ResponderExcluir
  2. Nada é exatamente o absoluto de tudo... (Papo d de doido né?)
    Somos assim...as vezes assim ,as vezes assado

    ResponderExcluir

"Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema".

BlogBlogs.Com.Br