Um lento riozinho chamado veneno



Pode fechar a porta e engolir o canto. Pode virar o copo, esticar o braço, acenar, adeus.
Pode limpar o rosto e esquecer dores antigas porque breve, muito breve, em breve, tão breve há de estancar a nova dor.
Há de vir assim, latejando, rasgando o peito em forma de arrependimento, saudade e desespero. Há de chegar devagarzinho, pela madrugada em uma quarta ou sexta-feira e quando vier virá disfarçada de pontinha de saudade e ego murcho. Mas na quinta ou sábado a pontinha mesmo com o sol da manhã ainda vai latejar um bocado e você vai perceber que não era solidão, nem noite tediosa o que lhe afligia.
Vai começar como quem não quer nada, mas não vai passar. As músicas em breve, muito breve, tão breve se tornarão tortuosas lembranças e possíveis narrativas de nossos mil e um também possíveis causos de amor.
As frases farão sentido somente se despejadas abismo abaixo e mais de mil sentenças passarão tentando explicar ao próprio reflexo no espelho que nada é em vão.
Diálogos e monólogos, tudo dentro de tua vida e de teu quarto escuro. Uma dorzinha chata no meio de todo o caos cotidiano e uma dor destemperada no meio do teu sono e solidão.
Pode amargar teu sorriso. Que é pra breve, muito breve. Tão logo você acorde e saia do palco. Tão logo você se dê conta de um personagem que só quis te iludir e mitificar.
Tão logo teu ego inflado seja atingido pela agulha do descaso. Daí, bem aí é que começa a correr o lento riozinho de veneno. Vem, ele corre devagar, grosso, ácido.
Pode fechar a porta do quarto e apagar a luz, pode aumentar as doses antidepressivas e comprar dois maços ao invés de um. Pode começar a compor. Pode deixar de dormir pra ir se acostumando á noites mal-dormidas.
Pode esquecer de mim. Porque quando o riozinho começar a correr em tuas veias é sinal de que ele já passou por todo o meu corpo antes de chegar ao teu. Vagarosamente cada célula recebeu as águas deste riozinho. Pode esquecer de mim.